Estive lá – Patagônia Argentina Andina: Parque Nacional Los Glaciares

janeiro 17, 2012 in Estive Lá, Todos os Posts

Por Natália Viana.

Parque Nacional Los Glaciares: Declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO em 1981, o segundo maior parque nacional da Argentina, com seus 13 mil km² de extensão dominados por centenas de geleiras e alguns dos mais belos cumes andinos, é dividido em três zonas: a zona central, localizada entre os lagos Argentino e Viedma, é onde está o maior glacial da América do Sul, o Glaciar Upsala; a zona sul, próxima ao Lago Argentino, é onde se encontra o Glaciar Perito Moreno, a mais famosa e espetacular geleira do continente; e a zona norte do Parque corresponde à região do Cerro Fitz Roy, muito procurada pelos amantes de trekking e escalada. As zonas sul e central do Parque têm como cidade-base El Calafate e, a zona sul, El Chaltén.

Ao chegar à Patagônia Argentina Andina, numa tarde de dezembro, em pleno verão, prontamente me surpreendi com a paisagem que avistei do alto: um cenário dominado pela famosa Cordilheira dos Andes, apresentando incríveis montanhas com picos eternamente nevados, geleiras, lagos e regiões florestais que, juntos, pareciam formar uma pintura expressionista.

Aterrissando em El Calafate…

…reservei dois dias inteiros (dos cinco dias que  teria por lá) para explorar e curtir o charmoso centro da cidade antes de fazer qualquer passeio. Cidade que até há pouco tempo era apenas um povoado que funcionava de abastecimento para criadores de ovelha, El Calfate é hoje uma das populações mais turísticas da Argentina, com ruas abarrotadas de restaurantes, lojas de souvenires, lojas de acessórios para esportes de aventuras (visando o público que segue rumo à El Chaltén) e opções de hospedagem – que vão de cabanas a hotéis de luxo.

Em El Calafate, no geral, faz frio na maior parte do ano. No inverno as temperaturas variam entre 2°C e 12°C durante o dia e mantêm-se em escalas negativas após o anoitecer. Já no verão, embora sejam mais amenas – podendo alcançar 28°C durante o dia e 10°C à noite – o vento forte e constante torna necessário agasalhar-se.

Esta pequenina cidade é graciosa e aconchegante, lembrando um pouco as brasileiras Gramado e Campos do Jordão. Com toda sua atividade turístico-comercial localizada no centro – que se resume a duas avenidas principais –, não conta com linhas de ônibus urbanos, mas tampouco é necessário. A cidade pode ser percorrida tranquilamente a pé, num agradável passeio, que pode estender-se à Avenida de La Costanera, para apreciar as margens do Lago Argentino – que no inverno transforma-se numa agradável zona de patinação no gelo.

Já ambientada e conhecendo bem a cidade, no meu terceiro dia de viagem saí para explorar as maravilhas naturais que a circundam – o que só pode ser feito por meio de passeios guiados. Por isso, é bom reservá-los com bastante antecedência, para não correr o risco de não encontrar disponibilidade.

Logo no meu primeiro passeio…

…penetrei de barco pelo mundo frio e selvagem do território Austral, na zona central do Parque Nacional los Glaciares, entre os lagos Argentino e Viedma, passando pelos Glaciares Mayo, Negro, Ameghino, Spegazzini (o mais alto do Parque) e Upsala (o maior da América do Sul). A visão que tive foi surreal: enormes blocos de gelo, de coloração variada, que mescla o branco profundo a diversas tonalidades de azul gélido, contrastando com o negro queimado das partículas rochosas. De cada ângulo que os observa revelavam detalhes e formas verdadeiramente impressionantes: o gelo parece moldar-se em figuras, formando magníficas esculturas que flutuam sobre as águas de coloração esverdeada, conhecidas como “leite glacial”.

O único desembarque durante o trajeto ocorreu na Bahia Onelli, onde cada um do grupo pode escolher entre fazer um piquenique ou almoçar no restaurante que há ali. Atravessando um bosque típico andino patagônico, numa caminhada de aproximadamente 800 m, chegamos ao Lago Onelli, onde confluem os glaciais Onelli, Bolado e Agassiz.

No dia seguinte, realizei o tão esperado passeio até o Glaciar Perito Moreno, na zona sul do Parque…

…rendendo-me de imediato à sua imponência. Assim que cheguei ao mirante – conhecido como “curva dos suspiros” –, fiquei estupefata com a colossal estrutura do glacial que, se estendendo por uma superfície de 195 Km², alcança em alguns pontos extraordinários 60 m de altura, assemelhando-se de alguns ângulos a um castelo de contos de fada. Além de sua magnificência, fiquei atônita ao me deparar com a derrocada de enormes blocos de gelo que se desprendem provocando enorme estrondo ao cair nas águas do Canal de los Témpanos, mudando o monótono branco da geleira para um azul irreal – um verdadeiro espetáculo permanente de luzes e sons.

Dentre os cerca de 300 glaciais que se desprendem dos 14.000 km² de Gelo Continental Patagônico, o Perito Moreno destaca-se por ser um dos raros no planeta a continuar a avançar – 40 cm nas laterais e 2 m em seu centro, diariamente. Mesmo encontrando-se em constante movimento, é possível caminhar sobre ele em alguns trechos – e é claro que eu o fiz!

Eu e o grupo, após locomovermo-nos de barco até a outra margem, acoplamos aos nossos sapatos garras de ferro – conhecidas como grampones – para aumentar a aderência ao gelo – e seguimos rumo à aventura que todos tanto esperavam, um trekking de três horas pelo glacial mais famoso das Américas, acedendo-nos à beleza primitiva da natureza.

Logo que pisamos no gelo, fomos abençoados pelo “astro-rei”, que resolveu ressurgir em meio à neblina que já durava cerca de dois dias, iluminado o branco opaco da superfície, criando sobre ela incontáveis tonalidades de azul, que variavam nas curvas do gelo, conforme a incidência da luz. Após desfrutarmos dessa experiência incrível, ainda tivemos uma surpresa: no final do passeio, os guias nos serviram alfajores e uísque – com gelo do próprio glacial!

Estes dois passeios que fiz são considerados o ‘essencial’ de El Calafate. Contudo, lá há ainda muito mais que fazer, como conhecer a região arqueológica das Cuevas de Walicho ou visitar algumas estâncias patagônicas, onde é possível fazer passeios a cavalo ou em veículos 4×4 e ainda degustar maravilhas da cozinha local, como a carne e o queijo de cordeiro patagônico e os doces e licores à base da fruta calafate, que deu nome à cidade. Segundo a lenda, quem a prova retorna à Patagônia. Eu adorei especialmente as geléias de calafate, que trouxe como souvenir para os amigos e a família.

No quinto dia de viagem, segui rumo à El Chaltén…

…na tentativa de avistar o Cerro Fitz Roy.  El Chaltén é um pequenino povoado de 400 habitantes, localizado na zona norte do Parque, considerado a capital nacional do trekking. A região foi abençoada com uma paisagem fantástica – lagos, rios, cachoeiras, vales, geleiras, bosques e montanhas – e aparentemente inacessível: o acesso para a maioria destes locais só é possível por meio de longas caminhadas, acompanhadas de subidas abruptas e fortes rajadas de vento, que podem alcançar os 100 km/h. Uma verdadeira aventura!

Como teria apenas um dia lá, optei por uma trilha mais “light”, rumo ao mirante do Cerro Fitz Roy. A paisagem fascinante e colorida amenizava o cansaço da longa subida do trajeto: o amarelo das estepes contrastava com o verde esbranquiçado do Rio de Las Vueltas, envolto por arbustos de vários tons de verde, emoldurando as árvores anãs dobradas pelos ventos que balançavam seus fios de musgo – de tirar o fôlego (como se a árdua subida já não bastasse).

Quanto mais eu me aproximava, mais evidentes se tornavam as silhuetas pontiagudas dos Andes, que tapavam o horizonte. Quando cheguei ao mirante, devido às inclemências do tempo, não consegui de pronto avistar o cume do Fitz Roy, que se encontrava completamente encoberto pela neblina – não é à toa que “Fitz Roy”, na linguagem dos índios Telhuelches, significa “montanha que fuma”. Tive de esperar quase uma hora para conseguir avistar, imponente, em meio às nuvens, a silhueta das torres de paredes tão íngremes que a neve não consegue grudar-se. Um desfecho incrível para uma viagem que deixa, sem sombra de dúvidas, um gostinho de “quero voltar”.